terça-feira, 3 de novembro de 2009

É bom refletirmos sobre isso.




Triste cinema brasileiro

Para Jean- Michel Frodon, ex-diretor da "Cahiers du Cinèma", filmes nacionais são promessas que não se cumpriram e Walter Salles é fenômeno isolado

Leticia Moreira/ Folha Imagem

O crítico francês Jean-Michel Frodon em sala de cinema do shopping Frei Caneca, em São Paulo

ANA PAULA SOUSA
DA REPORTAGEM LOCAL

O jornalista francês Jean-Michel Frodon era ainda um garoto quando, por meio de filmes e textos, jovens como François Truffaut (1932-1984) e Jean-Luc Godard fizeram soprar os ventos da nouvelle vague. Foi ao ler as páginas da lendária "Cahiers du Cinèma", revista-símbolo do movimento, que Frodon descobriu o prazer da reflexão cinematográfica.
Reflexão que é estética, mas também ética e política. "Como disse Godard, todo travelling é moral", tentou ensinar, para uma plateia de estudantes, durante um debate na Fundação Álvares Penteado (Faap), em São Paulo, na noite da última sexta.
Frodon veio à cidade para integrar o júri da Mostra Internacional e para discutir a cinefilia e a crítica. "Alguns acham que fazer crítica é aconselhar o consumidor. Não é", diz. A crítica, para Frodon, é um trabalho emocional e reflexivo que, a partir da escrita, estabelece uma relação com o público.
"Quem trabalha com cinema, tende a achar que o crítico faz parte do trabalho de divulgação. Mas a crítica não é feita para atrair as pessoas ao cinema." Ex-crítico do jornal "Le Monde" e ex-diretor da "Cahiers...", Frodon conhece bem os poderes que rodeiam essa atividade que tenta equilibrar-se entre a arte e a indústria.
Ele deixou a direção da "Cahiers" este ano, após a venda da publicação para o grupo britânico Phaidon Books. "A imprensa toda passa por dificuldades", diz, quando questionado sobre a crise da revista. Mas, quando o assunto é cinema, deixa a cautela de lado. Leia a entrevista que Frodon concedeu à Folha, parte por e-mail, de Paris, parte pessoalmente, em São Paulo.

FOLHA - Como vai o cinema brasileiro?
JEAN-MICHEL FRODON
- É um cinema sem maior brilho. Vi alguns documentários interessantes, mas o cinema brasileiro não é tão bom quanto poderia ser, ou o quanto imaginamos que seria. O último filme brasileiro do qual eu gostei foi "Mutum".

FOLHA - Houve algum momento, além do cinema novo, em que o Brasil chamou a atenção da crítica internacional?
FRODON
- Havia muita expectativa quando o Brasil voltou a ser um país democrático e, depois, a esperança de que o fenômeno Walter Salles não fosse isolado. Mas a promessa não se cumpriu. A Globo soube tirar vantagem do desenvolvimento do país e isso teve efeitos sobre o cinema.

FOLHA - Por o cinema brasileiro era visto como promessa?
FRODON
- Porque o Brasil parece um país obviamente feito para o cinema. As paisagens, a riqueza cultural, a genialidade de um diretor como Mário Peixoto... Alguém poderia até questionar o seguinte: os mesmos ingredientes que fazem o futebol brasileiro ser único não poderiam ser também utilizados no cinema? O Brasil vem ganhando visibilidade internacional e poderia traduzir esse movimento histórico em filmes, mas, ao contrário da China e de outros países asiáticos, não tem feito isso.

FOLHA - O senhor vê algo de brasileiro em filmes como "Ensaio sobre a Cegueira" ou "O Jardineiro Fiel", de Fernando Meirelles?
FRODON
- Eu os vejo como filmes internacionais. E ruins.

FOLHA - E o que aconteceu com a "buena onda" argentina?
FRODON
- Bons diretores continuam sendo bons diretores, como Lucrecia Martel. Mas a boa onda do jovem cinema argentino foi interrompida. O México também tem coisas interessantes, mas a construção de algo de longo prazo, sólido, me parece distante.

FOLHA - Por que, a despeito do frescor que muitos estrangeiros enxergam na América Latina, o cinema da região não se desenvolve? É um problema econômico ou cultural?
FRODON
- Certamente, não é econômico, e sim de dependência cultural de Hollywood.

FOLHA - O senhor citou o cinema asiático. O que tem vindo de lá?
FRODON
- Um cinema dinâmico, que capta o movimento econômico da região. Tem me chamado a atenção o que vem de países como Tailândia, Filipinas, Malásia. Há muitos jovens diretores e um forte realismo na maneira de filmar. Eles mostram o interior, as periferias, mas se apoiam muito na relação das pessoas com os celulares e a internet. A tecnologia é traduzida numa nova textura de imagens, muitas delas digitais. Os personagens estão nesse ambiente digital.

FOLHA - Eles têm apoio estatal?
FRODON
- Não, mas há uma grande solidariedade entre os diretores, um participa e apoia o filme do outro. Eles conseguiram criar uma pequena indústria porque fazem filmes muito baratos.

FOLHA - Vivemos num mundo sobrecarregado de imagens. Qual o papel do cinema nesse contexto?
FRODON
- O cinema deixou de ser dominante na construção do imaginário coletivo, mas ainda tem um grande poder. Nunca tanta gente viu tantos filmes, nunca tantos filmes foram produzidos em tantos lugares. Mas todas as pessoas querem ver os mesmos poucos filmes, ao mesmo tempo. O grande desafio, hoje, é reabrir o espaço para 95% do cinema contemporâneo, que tem mais e mais dificuldade de existir, de ser visto pelo público em geral.

FOLHA - Que papel tem a crítica nesse cenário?
FRODON
- Chamar a atenção para todo esse outro cinema. No meio de tanta oferta, é possível escolher de duas maneiras. Numa delas, o mercado diz o que você deve ver, por meio do marketing, e você obedece. A outra maneira é dividir opiniões e gostos com quem não tem interesses comerciais e decidir por você mesmo. Nesse sentido, a crítica é cada vez mais necessária. Ela pode funcionar como uma espécie de contrapeso às estratégias de marketing, mais e mais ferozes.